Carrie, A Estranha - A violência não sobrenatural

by - 10/17/2023

 


Capa Carrie, A Estranha


Editora: Suma | Autor: Stephen King | Páginas: 200 | Gênero: Terror


Nota: 

Atenção!
Gatilhos: Bullying, Violência.


    Logo na introdução do livro, recebemos informações marcantes de como a obra se baseia em “dois fantasmas” da adolescência de King, a respeito de duas garotas que inspiraram a criação da personagem Carrie. Garotas que sofriam bullying, fosse por aparência, hábitos religiosos e até ataques epiléticos. Ambas morreram antes dos 30 anos, uma por suicídio e outra decorrente de um ataque epilético.

    A introdução já nos serve de referência para o enredo...

    Como é de se esperar, a obra passa durante o ensino médio (1979), tendo como cenário a escola com sua hierarquia de alunos. Carrie é solitária, considerada estranha pelos colegas e professores, e extremamente reprimida por uma mãe fanaticamente religiosa. As coisas começam a ficar estranhas de modo sobrenatural, durante uma sequência de episódios de violência contra Carrie.


    Dentre os personagens mais marcantes, podemos destacar a Carrie White que carrega o poder de Telecinesia (exercer força sobre um sistema físico sem interação física, apenas usando a mente), todo o contexto de abusos sofridos despertam gatilhos que a fazem manifestar seus poderes, até chegar ao ponto de um grande massacre na cidade, na noite do baile.

    Margareth, a mãe de Carrie, é uma viúva com extremos excessos religiosos, que julga sua gravidez como fruto do pecado, abomina o desenvolvimento físico da mulher, privando sua filha dos conhecimentos a cerca do próprio corpo e a punindo severamente (fisicamente e psicologicamente).

    Sue Snell, colega de escola de Carrie, que após participar do bullying de forma ativa sente peso na consciência, começa a se questionar e busca se redimir de algum modo. E nessa personagem entra a questão de redenção para se sentir melhor, dado que carrega a omissão durante todo o bullying praticado do fundamental até o ensino médio. (Percebe-se umas pinceladas do pensamento do autor sobre si mesmo, relatado lá na introdução.)

    Chris Hargensen, uma personagem genérica na cultura estudantil retratada em filmes americanos, mimada, sem limites, que gosta de praticar maldades, com um namorado problemático/criminoso.

    Billy, namorado de Chris, um cara babaca e violento, que direciona toda sua capacidade para ajudar na humilhação de Carrie.



    A narração é construída por acontecimentos do passado em paralelo com o presente, alguns pensamentos dos personagens, seguidos de trechos de revistas e artigos científicos sobre determinada tragédia, que ficou conhecida como “Baile Negro”.
(E dentro desses trechos de teóricos, é colocada à prova a verdadeira intenção dos personagens. Como por exemplo, Sue e seu namorado Tommy.)


    Dado o contexto de violência presente nos temas, eu pensei que seria um livro mais agressivo, porém a narração torna mais prática de ser lida, como se fosse um documentário sendo apresentado. Lembrando que é uma história que começou a ser pensada em 1972 e foi publicada em 1974 e continua atual, infelizmente.

    No livro, encontramos os seguintes temas:
  • Crueldade no mundo feminino. → Me fez ter interesse em saber mais sobre esse assunto, porque algumas vezes foi enfatizada a questão de garotas serem mais cruéis com outras garotas, e realmente, é algo que é bem notado no mundo digital. Basta uma publicação de alguma figura feminina, que chove comentários de outras mulheres atacando.
“A ideia de rivalidade entre mulheres está ligada à cultura, afinal, das mulheres sempre é exigido o máximo: tendo que ser sempre uma boa dona de casa, mãe, esposa e profissional.”

    Essa ideia é bem expressa nos pensamentos do coletivo, onde é esperado que a Carrie se vista melhor, se comporte de outra maneira, que ela ao menos “se esforce para sofrer menos bullying”. Sendo que sua própria aparência é colocada como ferramenta no enredo, representando como ela foi se diminuindo e sendo engolida pelas violências.

  • Menstruação sendo tabu e algo vergonhoso. → Aqui a ênfase entra na questão de Margareth associar ao pecado de Eva, para impor que Carrie deixou de ser pura. E na escola, como motivo de zoação tanto pela falta de conhecimento de Carrie, como visto com nojo pelos professores e colegas.
  • O fanatismo religioso. → Não se trata de espiritualidade, mas sim de manipulação cultural. Margareth impõe sua cultura religiosa de forma violenta em todos ao seu redor, inclusive sobre si. O que também leva ao questionamento sobre saúde mental.
  • Relacionamentos abusivos, nas diversas esferas sociais.
    • Professores (as) que usam da força física para punir alunos, pais de alunos que agem de forma imatura, incentivando agressividades.
    • Pais abusivos com os filhos.
    • O personagem Billy, ele me recorda muito os habitantes de Derry (It - A coisa), ele carrega uma necessidade de poder que se baseia em tirar dos outros, para se sentir melhor.
“Sangue de porco, para uma porca.”
        Billy não estuda com Carrie, ele não tem convívio direto com ela, e mesmo assim sente a necessidade de humilhá-la. E ao decorrer da história, é possível ver que ele quer apenas praticar a violência pela violência, não dando importância caso sua namorada estivesse no lugar de Carrie. O trabalho que se dá para conseguir o sangue dos porcos,  “apenas para pregar uma peça”, a brutalidade sexual com que trata sua namorada e o poder misturado com glória que sente emanando de seu carro. É tenebroso.

  • Massacres em escolas. → Carrie, motivada por vingança, comete um massacre que se inicia na escola e se estende por toda a cidade. Lamentavelmente outro tópico muito presente nos noticiários da vida real.



Observação: mais um detalhe que me deu desgosto, foi ainda durante umas das justificativas de um dos personagens, do porque riram de Carrie suja de sangue de porco, é porque lembrava uma cena de “Canção do Sul” de Walt Disney, que tinha uma boneca de piche, e que ela também lembrava o comediante Eddie Cantor (blackface). Apesar de entender a referência ao blackface, não conhecia a obra citada.

Tinha uma ilustração da boneca de piche sentada no meio da estrada parecendo aqueles atores mambembes com a cara preta e aqueles olhos brancos enormes. Quando Carrie abriu os olhos, era assim […] Foi isso que fez as pessoas rirem.

 

Como conclusão, mais uma vez o terror abordado por Stephen King, não me pega no pavor sobrenatural como na Telecinesia de Carrie, o que ela é capaz, ou ao mal atribuído à uma figura demoníaca, mas sim na maldade humana (principalmente na fase da adolescência). Fui surpreendida pelo desconforto e desgosto causado pela densidade dos temas presentes, que na história passam como elementos de uma sociedade relativamente normal, diversas coisas estranhas acontecem, e uma colher se movendo no ar, é o de menos.


Publicado em 17 de outubro de 2023 - 15:14




You May Also Like

0 Comments